quarta-feira, 28 de março de 2012

Batalha pela cobrança de impostos

O contribuinte é bombardeado pelos fiscos. ISS, ICMS e IPI muitas vezes acabam incidindo em um mesmo produto ou serviço, e a solução para as divergências sobre a competência tributária acaba na Justiça.

“O cidadão fica em um uma sinuca de bico.” Assim define a sócia do Amaral & Advogados Associados e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Letícia Mary Fernandes do Amaral, a situação em que se encontra o contribuinte que paga os impostos e se vê diante de uma disputa de todos os lados pela cobrança sobre o mesmo fato gerador. “Isso só se resolve via Justiça”, conta.

De acordo com a advogada, falta clareza na legislação tributária. Um exemplo é a Lei Complementar 116 de 2003, que listou 40 itens de serviços sujeitos ao ISS e 183 subitens e deixa brechas para interpretações diversas.

Em razão disso, é bastante comum que dois municípios se entendam igualmente competentes para recolher tributos sobre fatos de igual natureza. Nesse caso, há conflito nas leis que geram cobranças em duplicidade, o que se denomina de bitributação. Mais especificamente, no caso do ISS, conforme a vice-presidente do IBPT, isso ocorre com bastante frequência. A alíquota máxima do ISS, instituída pela Constituição, é de 5%, mas cada prefeitura tem competência para fixar alíquotas menores e é nesse momento em que o tiroteio fiscal se instala entre os municípios. Por outro lado, há o contribuinte que quer pagar menos e entra no jogo de interesses.

De acordo com a Constituição Federal, o valor do imposto deve ser retido no local onde está o estabelecimento do prestador e as leis municipais devem seguir a lei federal. “A bitributação é vedada pela CF”, alerta Letícia.

Mesmo assim, diz, a duplicidade é bastante comum. Segundo ela, a situação ocorre muito entre capitais e região metropolitana, pois cada um entende que o tributo é seu. Ou seja, as administrações tributárias compreendem que, se o fato ocorreu na cidade, ela tem o direito de tributar.

A advogada cita o exemplo do serviço de praticagem, caso típico de disputa judicial na cidade de São Paulo e em regiões portuárias. Prático é o profissional que ajuda aos navegantes nas embarcações de navios, é o piloto local, que conhece a região. Como nesse caso a divergência é territorial, há também conflitos de interpretação sobre quem deve tributar. Pela LC 116, a competência para a cobrança do ISS é do município onde está a localização do porto e o navio está atracando.

Para fins de ICMS, no entanto, a lei determina a incidência sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual, bem como serviços de comunicação. E é aí que ocorre grande parte das confuões. De acordo com a legislação, onde existe ICMS não pode incidir ISS.

Segundo Letícia, ocorre uma longa discussão se o serviço de colocação de painéis de outdoors, por exemplo, seria um serviço de comunicação, sujeito ao ICMS, ou de propaganda e publicidade, sujeito ao ISS. Nesse vai e vem, o contribuinte acaba, muitas vezes, pagando duas vezes e tendo que recorrer à Justiça.

A vice-presidente do IBPT explica que só estão sujeitos ao ISS no setor de comunicação os casos em que o trabalho gerado for específico, personalizado. Por exemplo, para uma gráfica que produz um talão com logotipo de uma empresa, a cobrança do ISS é correta. Porém, se ela produz talões genéricos, com o objetivo de venda em geral, recai o ICMS.

Outra questão que vem envolvendo o Judiciário é sobre o próprio conceito de indústria. De acordo com o advogado tributarista Fábio Canazaro, ocorrem divergências também entre o que é serviço ou operação industrial, e entra em cena o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), em queda de braço com ISS. Segundo ele, os entes federados devem seguir a Constituição Federal, pois é a lei suprema.

No caso das operações de reciclagem, exemplifica Canazaro, os municípios entendem que é uma prestação de serviço, portanto sujeita ao ISS. Porém, também pode ser interpretado como indústria de transformação e, nesse caso, incidiria o IPI. “Se isso não for tratado com seriedade e alto comprometimento técnico, não haverá êxito.

Temos que entender o conceito da indústria, instruir o Judiciário com todas as provas, o que é um trabalho amplo”, justifica o advogado, que recebe inúmeros processos nesse âmbito.

A saída para toda essa “confusão tributária”, de acordo com Canazaro, seria “uma boa lei complementar de normas gerais que esclareça a Constituição”. Canazaro diz que a legislação tributária brasileira é a mais complexa do mundo, pois acaba sendo necessária uma nova lei que complementa e explica uma outra mais antiga.

Porto Alegre cobra ISS no local da prestação do serviço
Porto Alegre, que completou 240 anos no dia 26 de março, cumpre o que diz a LC 116/2003 e tributa no local onde a empresa está sediada. A informação é do assessor de Planejamento e Projetos Tributários da Secretaria Municipal da Fazenda, Flávio Cardoso de Abreu. Segundo ele, a exceção só ocorre nos casos previstos na própria legislação, como as empresas de diversão pública (circos e parques, por exemplo). “Se uma empresa desenvolve um projeto na Capital, a prestação do serviço é realizada aqui, o ISS deve ser cobrado”, diz o administrador.

Abreu explica que o imposto municipal é também cumulativo, porém, nesse caso, não se configura bitributação. Conforme Abreu, o Superior Tribunal de Justiça entende que o ISS é sempre devido no local da prestação do serviço e sugere a quem se sentir lesado que peça a devolução ao município que cobrou de forma indevida. “Se uma empresa que foi autuada por uma fiscalização comprovar que o trabalho foi feito fora de Porto Alegre, nós devolvemos o valor da penalidade ou parte dela”, garante.

Operadoras de saúde sofrem com duplicidade tributária
Um caso recorrente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é a questão das operadoras de Planos de Saúde. De acordo com o advogado Rafael Lima Marques, sócio do escritório De Rose,Veiga, Martins e Marques Advogados Associados, alguns municípios cobram o ISS sobre a receita bruta das operadoras sobre o total das mensalidades recebidas. Porém, segundo o advogado, essa seria uma forma ilegal, pois a única receita tributável na operadora, por meio do ISS, é o valor que ela efetivamente utiliza para administrar os planos.

Ou seja, parte do valor arrecadado com a mensalidade é repassado aos médicos, hospitais, laboratórios e clínicas que realizaram o serviço e todos eles já pagam o ISS pelo mesmo evento. “As operadoras querem ser tributadas pelo que cobram para administrar. No entanto, a base de cálculo seria outra”, explica. Ou seja, somente o líquido que é destinado a cobrir despesas administrativas seria tributável.

Marques diz que o escritório tem conseguido vitórias nos processos do gênero, sendo que a posição do Tribunal de Justiça do Estado e do Superior Tribunal de Justiça tem firmado posição no sentido de evitar a bitributação.

Segundo o advogado, várias prefeituras já se deram conta dessa questão e alteraram suas legislações permitindo a cobrança somente sobre a receita líquida da prestação do serviço referente à administração dos planos. Para Marques, a lei federal não é clara e não detalha o valor tributável. “Ela diz que a tributação incide sobre o preço do serviço, mas não especifica esse serviço”.

Outro problema, segundo ele, está radicado na questão territorial. Alguns municípios buscam a cobrança do ISS no local onde foram prestados os serviços, embora a administração dos planos de saúde esteja sediada em outra cidade. “É uma clara confusão entre local da prestação de serviço e a execução do mesmo, que pode se dar em qualquer lugar”, comenta.

Ele explica que, se a mesma base econômica for tributada mais de uma vez, fica evidente a bitributação e “se forem considerar a receita bruta para fins de cálculos, seguramente, os planos irão repassar esse percentual aos consumidores”.

Fonte: Jornal do Comércio/RS.