quarta-feira, 16 de março de 2011

Análise real do Poder Judiciário

O desempenho do Poder Judiciário, uma das discussões mais recorrentes entre os operadores do direito, já desbordou os limites jurídicos, para alcançar o debate nacional entre a população e a opinião pública.

Propomos analisar o Poder Judiciário sob a ótica da realidade da instituição, buscando alternativas eficientes para o sistema processual e a obtenção de melhores resultados na atuação judicial.

A expressão política pública tem sido muito usada para designar, por vezes, o cumprimento de atos administrativos plenamente vinculados ou, então, para se restringir aos Poderes Executivo e Legislativo. Todavia, política pública deve ser entendida como as ações estatais voltadas a tornar concreta a atuação dos conteúdos normativos constitucionais que expressam as decisões políticas, não sendo exclusiva de um poder ou outro.

No caso, o Poder Judiciário, como próprio do estado de direito, exerce o monopólio da função jurisdicional, recebendo a demanda social pela solução de conflitos. Assim, deve, por missão constitucional, que participar ativamente da promoção do acesso à ordem jurídica. Deve fixar metas e planos que alcancem o melhor funcionamento do serviço jurisdicional, ou seja, atuar como formulador e executor da política pública de solução dos conflitos judicializados.

Por tais razões a eficiência judicial necessita buscar modelos concretos de gestão da estrutura judiciária para alargar a costumeira análise da efetividade processual apenas associada a mudanças de ordem normativa.

A Justiça comum do Estado de São Paulo é emblemática para elucidar a ausência de uma política pública voltada à prestação eficiente do serviço jurisdicional.

A eficiência judicial necessita buscar modelos concretos de gestão

Um exemplo parte da análise da Lei estadual nº 11.608 (art nº 6), de 29 de dezembro de 2003, que isenta o Poder Público (União, Estados, Municípios e respectivas autarquias e fundações) do pagamento da taxa judiciária. Cotejando-a com o volume de execuções fiscais em trâmite, na quantidade de 10.146.629 e contrastando este número com o universo total de 18,1 milhões de processos em andamento, chega-se à conclusão que apenas as execuções fiscais correspondem a 80% do movimento judiciário.

O exame racional do modelo adotado revela uma equação desproporcional: (a) privilégio das isenção das ações promovidas pelo Poder Público e Ministério Público, com foco nas execuções fiscais; (b) falta de balanceamento entre as isenções concedidas e o benefício qualitativo do serviço jurisdicional; (c) como resultado da quantidade de processos isentos de custas o evidente desequilíbrio econômico-financeiro no Poder Judiciário.

Quando se constata esta opção política, conclui-se o que pode soar anti-intuitivo: acesso à Justiça, sem a correspondente contrapartida em recursos que suportem a onerosidade da prestação, gera, como efeito colateral, a sobrecarga do sistema, o qual, despido de infraestrutura adequada, será ineficiente.

Por outro lado, urge que o Poder Judiciário Paulista administre os recursos da taxa judiciária, arrecadando-os e que lhe seja destinada a integralidade do valor. Hoje, o modelo existente é do repasse pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário de percentual inferior a 30% ao fundo especial de despesa do Tribunal de Justiça instituído pela Lei nº 8.876, de 2 setembro de 1994.

A experiência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por outro lado, apresenta exemplo de sintonia entre a orientação constitucional de autonomia financeira do Poder Judiciário e o comando legislativo infraconstitucional, no qual a receita da taxa é arrecadada diretamente pelo Judiciário, que responde por todas as despesas de manutenção e investimentos para o bom funcionamento da máquina judiciária, permanecendo, ainda, com o Executivo o dever de custear a remuneração dos servidores da Justiça.

Igualmente, dentro do marco de produtividade, contenção de desperdícios e alcance de melhores resultados, a parceria público-privado no bojo do Poder Judiciário pode apresentar uma alternativa viável ao modelo existente, limitada, por exemplo, à atividades como infraestrutura física (manutenção e construção de edifícios forenses) e tecnologia de informação (informática e digitalização de documentos).

Enfim, estas são algumas ações concretas de melhoria da tutela jurisdicional e que passam pela formulação de políticas públicas de atendimento jurisdicional eficiente, de atribuição que compete ao Poder Judiciário.

Parafraseando o eminente desembargador Paulo Dimas Mascaretti, da 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP e presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), que se fez "um pedido de socorro, um sinal de alerta" em artigo publicado no Anuário da Justiça 2010, intitulado "Justiça que não se traduz apenas em números" (Revista Consultor Jurídico, SP, Conjur Editorial, 2010, p.24) "(...) há um cenário desolador: (...)sem mudanças significativas na questão orçamentária e estrutural o Judiciário estadual de São Paulo, caminha para o colapso".

Fonte: Valor Econômico.

2 comentários:

Anônimo disse...

Isso só vem a reforçar aquilo que eu já havia expressado neste site: não adianta fazer reforma processual, porque o problema é estrutural do Poder Judiciário.

E acrescento que este não é um problema isolado do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, mas sim um problema nacional.

No entanto, a unidade da Federação mais rica do país deveria dar exemplo para os demais. Logo, deveria partir daqui de São Paulo o debate para a uma reforma da estrutura do Poder judiciário.

RICARDO MAIA VALENÇA disse...

Primeiramente, obrigado pelos comentários efetuados, eles servem de estímulo para dar prosseguimento ao trabalho de atualização do site.

Segundo, concordo plenamente com a idéia expressada. A reforma tributária tem sido "ensaiada" há anos sem que exista qualquer avanço prático.

Abraço, Ricardo.