domingo, 28 de março de 2010

Nova tendência no Cade: acordo judicial

O cartel das britas ficou famoso na história da defesa da concorrência brasileira. Em 2003, pela primeira vez se usou a opção de busca e apreensão de documentos nas empresas para comprovar que elas faziam um acerto sobre os preços da pedra britada, insumo da construção civil. Em 2005, 16 companhias foram multadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), num valor total de R$ 60 milhões. No mês passado, as empresas de brita voltaram a fazer história ao se tornar o primeiro caso de cartel em que o Cade aceitou fazer um acordo judicial. Três delas, que haviam entrado na Justiça contra o conselho em processos separados, concordaram em encerrar o caso depois de negociar com o Cade uma redução entre 85% e 87% nas multas.

"Foi a primeira vez, mas já outros casos de empresas acusadas de formação de cartel que negociam acordos com o Cade para encerrar processos judiciais", afirma o conselheiro Fernando Furlan, ressaltando que essa é uma nova tendência na história do conselho. "Um dos objetivos do nosso esforço é evitar medidas protelatórias na Justiça." As negociações que estão em andamento são sigilosas, mas, em pelo menos um caso, uma pré-proposta já foi apresentada em sessão privada do plenário do Cade. Os conselheiros fizeram exigências e, segundo Furlan, a empresa já as aceitou. "O acordo deve ser anunciado muito em breve, talvez em um mês."

Um dos cuidados que o Cade vem tomando nas negociações de acordos judiciais em casos de cartel é o de evitar que isso se torne um incentivo para que as empresas não venham a fazer acordos na esfera administrativa ou até um estímulo para questionamentos de multas na Justiça. Segundo Furlan, os acordos judiciais sempre serão bem menos atraentes do que os fechados em âmbito administrativo. No caso das empresas de brita, por exemplo, foi aplicada a correção pela Selic, o que tornou o valor pago superior à multa aplicada, apesar do desconto concedido.

"O Cade agiu com muita cautela, para não criar estímulos. Isso foi algo bastante presente em toda a discussão", confirma o advogado Caio Mario Pereira Neto, do escritório Brasil, Pereira Neto, Galdino, Macedo Advogados, que representou as empresas de brita Embu, Iúdice Mineração e Pedreira Sargon no acordo. O Cade, por exemplo, deixou claro que trabalhava com uma probabilidade de 95% de êxito nas ações judiciais. Isso norteou todas as discussões sobre o desconto que seria concedido.

O fechamento de acordos judiciais é o terceiro grande passo do Cade em negociações com as empresas. O primeiro foi a de criação do que hoje já se tornou um procedimento rotineiro, os chamados Apro (Acordos de Preservação da Reversibilidade da Operação). O primeiro deles foi negociado há pouco mais de dez anos, no processo de criação da então InBev. O objetivo é sempre o de delimitar o que pode ou não ser feito por empresas em processo de fusão ou de aquisição até que a medida seja julgada pelo Cade. Hoje, quase todos os acordos desse tipo são negociados com as empresas e não impostos unilateralmente pelo conselho.

Anos depois, uma alteração na lei de defesa da concorrência passou a permitir que fossem fechados acordos em processos administrativos, antes do julgamento. No caso de cartéis, estabeleceu-se que obrigatoriamente os acordos deveriam envolver uma "contribuição pecuniária" por parte das empresas, ou seja, um pagamento em dinheiro, que é baseado no faturamento da companhia. Também foi criado o programa de delação, em troca de imunidade para as empresas que participam ou participaram de cartéis. Para o Cade, esse programa, somado às operações de busca e apreensão de documentos em empresas, contribuiu fortemente para a obtenção de provas. E as empresas passaram a se interessar cada vez mais em fazer acordos.

Em setembro do ano passado, por exemplo, a Brasmotor, do grupo Whirlpool, acabou concordando em pagar R$ 100 milhões em um acordo na esfera administrativa em um processo em que a empresa era acusada de fazer parte de um cartel de compressores. Foi o maior acordo fechado até hoje. Um ano antes, três empresas de mangueiras marítimas também haviam fechado acordos administrativos para encerrar processos.

No caso das mangueiras marítimas, segundo o conselheiro Fernando Furlan, um dos principais interesses das empresas para encerrar os processos era o de evitar que uma condenação pudesse deixá-las de fora de licitações da Petrobras na exploração de campos petrolíferos do pré-sal. "Nesse caso, o estímulo principal era uma perspectiva futura relacionada ao negócio da empresa. Mas há casos em que é preciso limpar o passivo para negociações de fusão ou aquisição ou até de aporte de investidores", explica o conselheiro.

O modelo de negociação de acordos administrativos do Cade foi em parte inspirado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que vem rotineiramente fechando negociações em casos de informação privilegiada ou de falta de informações relevantes sobre empresas de capital aberto, por exemplo. Furlan é hoje supervisor de um comitê formado por dez técnicos do Cade. São eles que discutem as melhores práticas internacionais na área de defesa da concorrência e que cuidam de um histórico dos acordos, com uma avaliação sobre o que deu certo e o que não deu, por exemplo. Para cada negociação de acordo, é criada uma comissão formada por um conselheiro-relator e três membros desse comitê técnico. Isso blinda as negociações de qualquer interferência política ou de propostas de acordo "indecorosas". As negociações também recebem sempre um parecer do representante do Ministério Público Federal que participa do Cade, evitando questionamentos posteriores.

A evolução da atuação dos órgãos de defesa da concorrência no Brasil está tornando a vida das empresas com atuação desonesta cada vez mais difícil. Está aí algo do qual o país deve se orgulhar.

Fonte: Valor Econômico.

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