sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Advogado pode ser obrigatório

JUIZADOS ESPECIAIS - Projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados prevê que, em causas de até 10 salários mínimos (R$ 4.650), o Estado deverá arcar com despesas dos honorários; proposta pode criar barreira ao acesso à Justiça.

Um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados no começo do mês torna obrigatório o acompanhamento de advogados em processos dos juizados especiais. A proposta prevê que, em causas de valor de até 10 salários mínimos (R$ 4.650), o Estado deverá arcar com as despesas dos honorários, seja garantindo o atendimento da demanda por um defensor público ou nomeando um advogado dativo para representar o cidadão. Nas causas acima desse valor, cabe à parte providenciar o advogado.

A proposta, do deputado Germano Bonow (DEM-RS), altera a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/95).

Pela legislação vigente hoje, as partes podem comparecer ao juizado sem advogado quando a causa for inferior a 20 salários mínimos (R$ 9,3 mil). Apenas acima desse valor a presença do advogado é obrigatória. Pela lei, os juizados especiais atendem demandas de até 40 salários mínimos, ou R$ 18,6 mil.

O parlamentar justifica que a mudança proporcionará o aumento das possibilidades de os cidadãos serem atendidos com maior eficiência, celeridade e segurança jurídica. “A presença do advogado é fundamental para o indispensável equilíbrio na relação processual”, afirma Bonow. O deputado diz que, em geral, os cidadãos têm de enfrentar sozinhos departamentos jurídicos de grandes empresas em suas causas. O projeto tem o apoio de outros 20 deputados da bancada gaúcha, que também assinam a proposta.

Apesar de concordarem com a tese de deputado, advogados, defensores públicos e magistrados alertam para o fato de que o projeto pode criar uma barreira ao acesso da população à Justiça, facilitado justamente pelo fato de causas de menor valor poderem ser ajuizadas sem advogado. No Rio de Janeiro, por exemplo, 108.136 pessoas recorreram aos Juizados Especiais Cíveis do estado ( JECs), quase 300 por dia. O número é mais que o dobro das ações ajuizadas em 2008 (52.870) e mais de seis vezes maior que os pedidos de indenização impetrados em 2007 (16.774).

O advogado especialista em Direito Empresarial Stanley Frasão, do Homero Costa Advogados, defende que o projeto é uma evolução na Lei dos Juizados Especiais. Para ele, a Justiça só é verdadeiramente feita com a presença do advogado. “A gente vê a pessoa reclamando sem advogado, mas o réu sempre comparece com um profissional, principalmente as empresas, que não vão a lugar nenhum sem advogado. Se o reclamante não consegue produzir provas suficientes, deixa a outra parte, que tem assistência técnica, confortável”, diz. Segundo ele, o Brasil tem mais de 700 mil advogados, número suficiente para atender qualquer demanda, e cabe ao Estado providenciar assistência jurídica à população, seja pelo defensor ou pelo advogado dativo.

O também advogado Eduardo Natal, do escritório Natal, Locatelli e Lopes de Almeida Advogados Associados, também diz que seria interessante para o cidadão ter um advogado sempre a seu lado. “Muitas vezes, as pessoas não sabem o que podem pleitear na Justiça e é importante que um profissional saiba os conceitos jurídicos que elas não sabem”, afirma. O advogado, no entanto, reconhece que a exigência pode criar um obstáculo para as pessoas procurarem a Justiça, principalmente a população mais carente. “É importante que essa assistência seja gratuita e eficaz, e, dependendo da estrutura da advocacia de cada estado, as demandas podem não ser atendidas”, ressalta.

CARÊNCIA. A vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Mariana Lobo Albuquerque, lembra que em três estados brasileiros (Goiás, Santa Catarina e Paraná) as defensorias sequer estão institucionalizadas.

Além disso, são 105 mil defensores em todo o País para atender 78% da população brasileira, que não tem dinheiro para pagar honorários de advogados.

Apesar da carência, Mariana defende o projeto de lei. Segundo ela, é importante que o cidadão não fique desassistido.

“Se um cidadão chegar na Defensoria Pública com uma causa inferior a 20 salários mínimos pedindo um advogado e tiver o perfil de ser atendido por um defensor, nós atuamos na causa. É direito da população ter assistência jurídica gratuita e cabe aos estados cumprirem a legislação para permitir que a Defensoria Pública expanda seus quadros”, ressalta. A Anadep defende que a Defensoria Pública tenha o mesmo tratamento orçamentário que a magistratura e o Ministério Público.

Para o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão (Amma), Gervásio dos Santos, que é titular do 9º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, a justificativa do projeto de lei é razoável, mas, na prática, a mudança na legislação criará mecanismos que impedirão o acesso à Justiça. “É verdade que uma pessoa sem orientação técnica muitas vezes não consegue compreender uma decisão ou tem dificuldades de enfrentar uma grande empresa, mas condicionar o ajuizamento de ações à presença do advogado cria entraves ao invés de ajudar”, diz.

Segundo o magistrado, a Lei 9.099/95 já permite que o juiz, ao perceber o desequilíbrio entre as partes pela falta de um advogado, suspenda a audiência e encaminhe o processo para a Defensoria Pública.

“O que acontece é que, muitas vezes, o réu prefere seguir com a ação adiante mesmo sem advogado, porque temos dificuldade de encontrar um defensor público. Além disso, pelo pequeno valor das causas, nem sempre os advogados se interessam por elas”, ressalta Gervásio dos Santos.

Fonte: Jornal do Commércio.

Nenhum comentário: