sexta-feira, 25 de março de 2011

O novo CPC e a morosidade da Justiça

O projeto de lei que cria um novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado Federal e atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, tem sido anunciado como a grande solução para combater a morosidade dos processos judiciais. O ministro Luiz Fux, presidente da comissão de juristas encarregada da elaboração do anteprojeto, salientou que a comissão tinha como desafios "resgatar a crença no Judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma Justiça pronta e célere". De acordo com ele, as alterações devem reduzir em pelo menos 50% o tempo de duração de um processo, atingindo 70% nos chamados "contenciosos de massa". Apesar da nobreza de intenções, dificilmente o novo código reduzirá, por si só, o tempo de duração dos processos.

Em primeiro lugar, é de se perguntar: quanto tempo dura um processo no Brasil? Ninguém sabe dizer. Muito embora a morosidade seja um fato notório, não existem dados estatísticos confiáveis, elaborados em escala nacional e com a utilização de critérios científicos, acerca do tempo médio de duração de um processo judicial. Esse fato impede a identificação segura das principais causas da morosidade. Em consequência, torna-se praticamente impossível encontrar soluções adequadas para combater tais problemas e reduzir o tempo de espera pela tutela jurisdicional. Igualmente, não há dados seguros a evidenciar quais regras precisam ser alteradas ou definitivamente eliminadas do sistema processual, nem o que precisa ser introduzido para melhorar os serviços judiciais.

Ademais, será que a legislação processual poderia ser considerada a principal causa da lentidão? O Código atual está em vigor há quase 40 anos e já foi alterado por mais de 60 leis. Fosse ele a principal causa da morosidade, o problema certamente já teria sido resolvido, ainda que parcialmente. Há que se ter consciência de que a morosidade do processo civil não é causada por um único fator. O problema é complexo e envolve múltiplas e heterogêneas causas, não só processual, mas também política, estrutural, econômica e social.

Uma das principais causas da morosidade consiste nas chamadas etapas mortas do processo, expressão cunhada pelo jurista espanhol Alcalá-Zamora para designar períodos de completa inatividade processual, em que os autos do processo simplesmente se empoeiram nas estantes judiciais. A realidade forense demonstra que são muitas as etapas mortas, nas quais o processo fica totalmente parado, no aguardo da prática de pequenos atos para seguir adiante, como a juntada de uma petição, a expedição de uma guia ou a publicação de uma decisão. É imperioso, pois, que o legislador volte seus olhos para essa realidade. Não basta reformar a lei se, na prática, em decorrência da falta de aparelhamento do Poder Judiciário, o processo fica amontoado nas pilhas que se formam nos cartórios. De nada adianta criar institutos processuais modernos e apurados cientificamente, se no dia a dia representam apenas mais etapas e rotinas burocráticas a serem seguidas pelos serventuários judiciais.

Outra importante causa da morosidade está na forma como as leis são redigidas. Leis contraditórias, incompletas, confusas e obscuras têm influência direta no tempo de duração das demandas. Isso porque, até que se fixe a interpretação curial a ser dada a determinado texto legal, serão necessárias inúmeras petições, decisões, recursos e intervenções judiciais, que acabam postergando o momento de julgamento do mérito da causa. Exemplo de falha do legislador pode ser encontrado no art. 475-J do Código de Processo Civil, introduzido em 2005, que estabelece multa de dez por cento para o devedor que deixar de pagar débito decorrente de decisão judicial no prazo de quinze dias. O legislador, lamentavelmente, deixou de consignar duas importantíssimas diretrizes para a interpretação da regra: primeiro, não estabeleceu a partir de quando flui o prazo de 15 dias; segundo, não mencionou se a multa só seria devida após o trânsito em julgado da decisão condenatória, ou se incidiria também nas hipóteses em que a decisão possa ser executada provisoriamente. Essa omissão gerou intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, e só veio a ser resolvida em 2010, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que a multa só se aplica após o trânsito em julgado e de que o prazo flui a partir da intimação do advogado do devedor para cumprir a obrigação. Tivesse a lei sido mais bem redigida, toda essa celeuma teria sido evitada e milhares de processos teriam sido resolvidos mais rapidamente.

Embora o projeto de novo Código preveja diversos institutos que realmente podem trazer benefícios à duração das demandas, como a simplificação do procedimento, o incidente de resolução de ações repetitivas e os mecanismos de uniformização e estabilização da jurisprudência, é ilusão crer que ele irá, por si só, resolver substancialmente o problema da morosidade da Justiça.

Antes de se criar um novo código, é imprescindível que se diagnostiquem as principais deficiências da lei atual e que se combatam outras causas, principalmente as de natureza estrutural.

Por Ricardo Quass Duarte.

Fonte: Valor Econômico.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo em gênero, número e grau.
Somente faço um aparte: quanto ao problema de formulação das leis, eu acredito que tal redação obscura e que dá azo a várias interpretações já é feita de modo intencional, pois as leis são redigidas pelos advogados/assessores juridicos dos legisladores e ainda depois passa sob o crivo do assessor jurídico do respectivo órgão. È lógico que tem que ser assim, senão acaba com a criatividade dos advogados e dos juízes na interpretação da lei.

ozeiasjs@gmail.com disse...

Justiça ágil somente, com julgadores suficientes.
A ferida que ninguém quer mexer é na contratação de juízes suficientes para atender a demanda.
Querem com poucas letras, desafogar o judiciário, mas com a mesma quantidade de juízes.
Não contratam novos juízes porque é caro. Tem que vir de tiracolo um escrivão, dois serventes, um oficfial de justiça, uma sala, ar condicionado etc. É muito caro.

Os governadores explicam para os compreensivos presidentes de tribunais, que a folha está onerada. Não tem dinheiro. Por isso, não se pode contratar, porque o orçamento está apertado.
Então, fazem um mega esforço para solucionar com novas leis.
Ora cresceu a demanda, é obvio que tem que contratar pessoas para atender.
O aque ocorre é que no momento temos juízes estressados, sem tempo para a família, sem tempo de estudar, e, principalmente sem tempo de ler os processos. Tudo tem que ser muito rápido. Eles tem meta. De um lado do Tribunal apertando para ele sentenciar, do outro os advogados. É um inferno.
Melhor para os psicólogos e psiquiátras, pois estão recebendo em seu divã uma enorme massa de Medritíssimos Juízes.
Tem que haver mais concursos.