quarta-feira, 6 de abril de 2011

O STJ e a proteção ao nome empresarial

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que altera significativamente o entendimento até então pacificado pela doutrina e jurisprudência acerca do conflito entre nomes empresariais e marcas.

Trata-se de decisão no Resp nº 1.204.488-RS, julgado em 22 de fevereiro deste ano, e interposto nos autos do mandado de segurança impetrado por Gang Comércio do Vestuário contra o deferimento do pedido de registro da marca "STREET CRIME GANG" pelo INPI. A ação teve por base o nome empresarial da impetrante, registrado na Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul (Jucergs) em 1976, data anterior ao depósito do pedido de registro atacado, realizado em 1999. O Resp foi provido para manter o deferimento do registro, permitindo-se a coexistência das marcas.

Em síntese, a 3ª Turma do STJ firmou o entendimento de que, na aplicação do artigo 124, V, da Lei da Propriedade Industrial (proibição do registro como marca de elemento característico de nome empresarial anterior), o conflito entre nomes empresariais e marcas deveria observar as seguintes premissas, cumulativamente e "nessa ordem": "(i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional; e (ii) que a reprodução ou imitação seja suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos".

A decisão inovou ao trazer para o conflito entre nome empresarial e marca uma limitação geográfica que até então só existia no conflito entre dois nomes empresariais, consoante a primeira premissa supra.

Em que pese o brilhantismo da douta relatora ministra Nancy Andrighi, quem já proferiu decisões lapidares em matéria de propriedade industrial, no caso específico nos parece que o arrazoado não foi acertado. A nova interpretação não representa a melhor solução para o dilema pois desrespeita a propriedade imaterial anterior de terceiros e, em última análise, desfavorece aos próprios consumidores, quem o Tribunal Superior procurou proteger.

Se por um lado é verdade que a proteção ao nome empresarial está limitada ao Estado de registro dos atos constitutivos (art. 1166 do Código Civil), não sendo oponível a nome empresarial de outra unidade federativa, por outro lado, o registro de marca produz efeitos em todo o território nacional (artigo 129 da Lei da Propriedade Industrial).

Se concedido o registro de marca a despeito da existência de nome empresarial anterior de terceiros, ainda que em outra unidade da federação, o novo titular terá respaldo legal para usar seu sinal em todo país, incluindo o Estado em que a empresa anterior está constituída. É nesse momento que se opera a sobreposição e, em nossa opinião, o conflito de direitos, já que os efeitos do registro de marca ingressariam na esfera de proteção do nome empresarial anterior.

Como não é possível a concessão de um registro de marca com validade apenas em determinada parte do território nacional, o título outorgado pelo INPI necessariamente invadiria e se chocaria com direito anterior do terceiro. Estará violado, portanto, o direito constitucional da empresa ao seu nome, dentro do seu território de validade.

Além do resguardo aos direitos anteriores sobre nome empresarial, há que se examinar a questão também à luz do direito de consumidor, em vista da dupla finalidade da proteção legal conferida às marcas e aos nomes empresariais, como bem destacou a ministra relatora em seu voto.

Na esfera consumerista, a legislação determina a coibição do uso de marcas e nomes empresariais que possa causar prejuízos aos consumidores (art. 4º, VI, CDC).

A melhor aplicação da política nacional das relações de consumo ao caso concreto seria a proibição da coexistência de marca com o nome empresarial anterior semelhante, diversamente do que foi decidido pela 3ª Turma do STJ.

Como exposto, a concessão do registro de marca viabilizará a entrada do seu titular no mercado geográfico específico da empresa anterior, ou seja, haverá a tutela legal para que dois sinais semelhantes, identificando os mesmos produtos, coexistam no mesmo marcado consumidor, potencializando o risco de confusão.

Tal resultado conflita frontalmente com os princípios formadores da proteção à propriedade industrial, seja sob a perspectiva do titular de direito imaterial anterior, seja sob a ótica do consumidor.

Ademais, cabe lembrar que a Convenção de Paris, tratado do qual o Brasil é membro, confere proteção internacional aos nomes empresariais sem obrigação de depósito ou registro (art. 8º) no país. Tal dispositivo legal permite que qualquer empresa estrangeira (com sede em país membro do tratado) se oponha a pedidos de registro de marca no Brasil, com base na anterioridade do seu nome empresarial estrangeiro. A vingar o novo entendimento da 3ª Turma do STJ, os estrangeiros terão proteção mais abrangente do que os nacionais no que tange a matéria.

Em suma, a limitação geográfica da proteção ao nome empresarial, quando transportada à lide em processo de registro de marca, provoca um choque de direitos que não se harmoniza com o amparo à dupla finalidade dos sinais distintivos. Não deveria, portanto, ser uma premissa para a análise do conflito.

Isso não significa que, havendo a coincidência de elementos do nome empresarial anterior com a marca registranda, estará automaticamente caracterizada a colidência. Há que se examinar as demais circunstâncias do caso, em especial quanto à possibilidade de confusão ou associação, avaliando-se o grau de distintividade intrínseca dos sinais, a semelhança de conjunto, o público alvo etc.

A segunda premissa citada na decisão (possibilidade de confusão ou associação entre os sinais distintivos), já consagrada pela doutrina e jurisprudência, e, hoje, expressamente prevista em lei, nos parece a única correta para o exame da matéria, aliada ao princípio da anterioridade.

Filipe Fonteles Cabral.

Fonte: Valor Econômico.

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