quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Depósito judicial de crédito tributário e prescrição da ação do FISCO para sua cobrança

O depósito judicial do valor de tributo questionado está entre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do correspondente crédito tributário previstas no art. 151 do CTN.

É bem verdade que a pessoa jurídica tributada pelo lucro real tem que considerar que os valores depositados judicialmente não podem mais ser deduzidos do imposto de renda. Antigamente podiam. Mas isto até a Lei nº 8.891/95 (art. 41, § 1º) por fim à jurisprudência administrativa e judicial, favorável aos contribuintes, firmada na vigência de norma anterior, cuja interpretação autorizava a conclusão de que os valores de tributos depositados em juízo poderiam ser deduzidos na determinação do lucro real.

E assim tem sido nestes últimos tempos: se desagrada ao fisco a aplicação de uma norma da legislação tributária pelo Judiciário, ou por um Tribunal Administrativo, não demora muito para que esta venha a ser alterada, mutilada, ou revogada por outra do agrado das autoridades fazendárias de todos os níveis governamentais. Aliás, por esse mesmo motivo tem-se modificado, com frequência, a própria Constituição Federal.

Seja como for, efetuado o depósito, suspensa, com esse expediente legal, a exigibilidade do respectivo crédito tributário, a primeira preocupação da administração tributária poderia ser quanto a uma possível decadência de seu direito a lançá-lo. Contudo, frise-se desde logo que ela não tem que se preocupar com isso. Tratando-se de depósito judicial de crédito tributário sob discussão, já está decidido que se torna prescindível o lançamento para evitar a decadência.

Efetivamente, o Superior Tribunal de Justiça já definiu que o lançamento para evitar a decadência do exercício do direito a crédito tributário, de que trata o art. 63 da Lei nº 9.430/96, somente deve ser efetuado quando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário der-se em razão de concessão de medida liminar ou de antecipação de tutela.

Com essa interpretação literal do mencionado dispositivo de lei, o STJ segue na linha do seu entendimento quanto a que, tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação (art. 150, § 4º do CTN), ao qual hoje está submetida a quase totalidade dos tributos e contribuições federais, estaduais e municipais (IRPJ, CSLL, IPI, II, ICMS, ISS, PIS, COFINS, etc.), a constituição dos respectivos créditos tributários dar-se-ia com a declaração de seus débitos pelos contribuintes (DIPJ, DCTF, DACON, GIA, etc.).

Com o reconhecimento desses débitos pelo contribuinte, via cumprimento de obrigações acessórias, estaria constituído o crédito tributário, cujo correlativo débito foi por ele declarado, iniciando-se a partir daí o prazo prescricional.

Relativamente a depósitos judiciais, o STJ vem entendendo (REsps. nºs 671.773 e 1.008.788) que sua realização pelo contribuinte equivale ao lançamento por homologação. De fato, nos Embargos de Divergência opostos nos autos do Recurso Especial nº 898.992/PR, a Primeira Seção do STJ decidiu, por unanimidade, que:

"com o depósito do montante integral tem-se verdadeiro lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art. 150, § 4º, do CTN. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas."

Aceita essa orientação jurisprudencial, dela decorrem duas importantes conclusões, a saber: primeira, o depósito judicial de valor de débito fiscal questionado por contribuinte confirma e constitui em definitivo, pelo viés do lançamento por homologação, o crédito tributário que lhe corresponde; segunda, a partir da data de cada depósito começa a contagem, para a Fazenda Pública, do prazo prescricional de 5 (cinco) anos para ela promover a cobrança do crédito depositado.

Na hipótese de lançamento de ofício impeditivo da decadência, diante de concessão de medida liminar ou de antecipação de tutela, o prazo prescricional da ação começa a fluir desde a data da formalização dessa espécie de lançamento.

Entretanto, cabe perguntar: como poderá o fisco cobrar o crédito tributário depositado em juízo se este se encontra com sua exigibilidade suspensa? Realmente, suspensa a exigibilidade de crédito tributário, por qualquer uma das modalidades previstas no art. 151 do CTN, descabe qualquer iniciativa do fisco tendente à cobrança desse crédito. Por isso que o mesmo Código Tributário Nacional, no seu artigo 174, proporciona ao fisco um meio eficaz de interromper o curso do prazo prescricional, que é o protesto judicial.

Através do protesto judicial, o fisco pode interromper a contagem do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, com o que lhe fica assegurado o levantamento do valor do crédito tributário depositado pelo contribuinte, se este não obtiver êxito em sua demanda judicial. Se a suspensão da exigibilidade deveu-se a medida liminar ou a antecipação de tutela, a interrupção da prescrição garante ao fisco a posterior execução fiscal de seu crédito, se, ao final, essas decisões provisórias vierem a ser revogadas por sentença transitada em julgado.

De maneira que, se, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cada depósito judicial de tributo equivale a um lançamento de crédito tributário por homologação, a partir da data de realização de cada um deles tem início o prazo de prescrição, que pode vir a ser objeto de interrupção pelo fisco com o protesto judicial (art. 174, Parágrafo Único, II, do CTN).

Resumindo-se o que até foi dito, conclui-se que a decadência é do direito material que envolve o tributo sob discussão, que pode ter lugar enquanto não constituído o crédito tributário correlato, ao passo que a prescrição é do direito de ação para concretizar tal direito, passível de ocorrer após a constituição do crédito tributário.

Oportuno acentuar-se, ainda, que esse problema da constituição, decadência e prescrição de crédito tributário foi resolvido, de forma didática, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 94.462-1/SP, em acórdão lavrado com a seguinte ementa:

"Prazos de prescrição e decadência em direito tributário - com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do CTN). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para a interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que se tenha valido o contribuinte, não mais corre prazo de decadência, e ainda não se iniciou a fluência de prazo para prescrição; decorrido o prazo para interposição do recurso administrativo, sem que ela tenha ocorrido, ou decidido o recurso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o artigo 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do Fisco."

Dado que nosso assunto diz respeito, especificamente, a depósito judicial de crédito tributário questionado, não há que se ter maiores cuidados com a decadência, na medida em que se pressupõe que nenhum contribuinte vá depositar em juízo valores de crédito tributário em relação ao qual a administração tributária decaiu de seu direito de lançar. Logo, a atenção fica voltada para as questões atinentes à constituição desse crédito e sua prescrição.

Em matéria de constituição do crédito tributário depositado em juízo, pode-se sustentar, com apoio na jurisprudência do STJ antes mencionada, que esse crédito vem a ser constituído por ocasião de cada depósito, à semelhança do que o mesmo STJ já decidiu com referência à declarações de débitos feitas por contribuintes à administração tributária (DCTF, DIPJ, etc.), as quais tornam prescindível o lançamento dos respectivos valores pelo fisco. De resto, conta-se, para isso, com o respaldo da decisão proferida pela Primeira Seção do STJ no EREsp. nº 898.992.

Como visto acima, com o depósito de valor de tributo discutido judicialmente, não mais é viável cogitar-se da decadência do direito a seu lançamento. Na linha do pensamento predominante dos Ministros do STJ, em tais casos, tem-se por constituído o crédito tributário, nos moldes do lançamento tributário por homologação. Ora, o mesmo raciocínio vale para a prescrição, a qual, como a decadência, dá causa à extinção do crédito tributário. Assim, constituído o crédito tributário com o depósito do contribuinte, a partir deste passa ser contado o prazo prescricional, que somente pode ser interrompido pelo protesto judicial.

Assim, constituído o crédito tributário, passa a fluir, com termo inicial fixado em cada depósito realizado, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos da ação para sua cobrança. Como esta não pode ser ajuizada em virtude da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, cumpre ao fisco interromper, por meio de cabível protesto judicial (art. 174, parágrafo único, II, do CTN), a contagem do prazo prescricional.

Finalizando, não poderia deixar de consignar que, em que pese serem raros os trabalhos doutrinários sobre este tema, há um que traz consigo a imensa autoridade de um dos pais do direito tributário deste país. Em parecer em que examinou a "suspensão da exigibilidade do crédito tributário e prescrição" (Revista de Direito Tributário 9/10, pp. 9/24), Aliomar Baleeiro foi enfático: "A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede a sua cobrança, mas não o fluxo da prescrição", acrescentando, logo a seguir, que o protesto judicial previsto no art. 174, parágrafo único, II, do CTN "não figura como adorno da lei, mas para equiparar o Fisco ao particular, no duelo para cobrança de seus créditos."

Por Walmir Luiz Becker.

Fonte: Fiscosoft.

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