sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Oportunidade de ouro para melhorar o federalismo fiscal

As relações federativas no Brasil estão em ebulição. Há pelo menos três temas importantes e complexos sendo discutidos ao mesmo tempo: a reforma do ICMS, os novos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a participação de Estados e municípios na receita de royalties do petróleo.

Uma negociação entre 27 estados, com interesses conflitantes, dificilmente levará a um consenso. O que tende a prevalecer é que, em cada caso, se forme uma maioria que imporá perdas à minoria, sem preocupação com os impactos da nova legislação sobre a eficiência da economia e a qualidade da gestão pública.

Seria natural que o governo federal centralizasse e mediasse as discussões. A perda de um Estado, por exemplo, na mudança da legislação do ICMS, poderia ser compensada por ganhos no FPE ou nos royalties e vice-versa. Embora a negociação se torne mais complexa, a margem de acomodação e de acordo se amplia.

Inaugurar o pré-sal sem um mecanismo de poupança será péssimo início para evitar a maldição do petróleo
Infelizmente, como vem alertando o professor Fernando Rezende, o governo federal, temendo pagar a conta da negociação, preferiu se omitir e deixar o Congresso buscar sozinho um consenso para os royalties e para o FPE, ao mesmo tempo em que tenta empurrar goela abaixo dos Estados uma reforma do ICMS que vai gerar perda de receitas e de flexibilidade fiscal para muitos deles.

Se optasse por coordenar as negociações de forma integrada, o governo federal poderia avançar na melhoria da gestão fiscal. Poderia, por exemplo, patrocinar a introdução de um fundo de estabilização das receitas dos royalties e do FPE (passível de extensão ao Fundo de Participação dos Municípios - FPM).

Essas transferências são pró-cíclicas: quando a receita tributária da União cresce, as transferências para o FPE e o FPM também crescem, e quando o preço internacional do petróleo sobe, aumentam os royalties transferidos a Estados e municípios. O inverso ocorre em períodos de recessão ou de queda do preço do petróleo.

Esse perfil pró-cíclico estimula um comportamento fiscal dos estados e municípios também pró-cíclico. Em momentos de bonança, há estímulo para se gastar mais. Porém o gasto público, uma vez criado, é difícil de ser cortado. A contratação de pessoal, por exemplo, está associada a direitos de estabilidade que dificultam a demissão de servidores como instrumento de redução da despesa. Por isso, quando vem a crise econômica ou a queda do preço do petróleo, e a consequente redução das transferências recebidas, as despesas estão altas e rígidas (não podendo ser cortadas de imediato), o que gera crise fiscal.

No modelo político brasileiro, a consequência é um movimento de pressão de governadores e prefeitos sobre o governo federal, requerendo ajuda fiscal emergencial. Em 2010, por exemplo, o governo federal distribuiu a Estados e municípios R$ 1,2 bilhão a título de compensação por "perdas" no FPE e FPM decorrentes da queda da arrecadação federal durante a crise econômica de 2009. O curioso é que, em termos históricos, as transferências de FPM e FPE estavam bastante altas em 2009, como mostra o gráfico abaixo. Mas uma pequena queda em relação a 2008 já foi suficiente para propiciar a crise, pois a despesa já havia crescido, na crença de que o nível de transferências de 2008 iria se perpetuar nos anos seguintes.

Por isso, a bem da disciplina fiscal, seria interessante que os montantes transferidos de royalties, FPE e FPM não oscilassem ao sabor do ciclo econômico ou do preço do petróleo. Para tanto se poderia constituir um ou mais fundos de reserva, que funcionariam como colchão de amortecimento. Nos períodos de elevação da receita, parte dos recursos seria acumulada nessa reserva, em vez de ser integralmente repassada aos estados e municípios. Nos períodos de queda, a reserva seria utilizada para complementar os repasses. É o modelo que o Chile usa na administração de suas receitas da venda de cobre.

No caso dos royalties, que envolverá montante maior de recursos, poderia ser adotada uma regra mais rígida: um percentual da arrecadação (digamos, 30%) não seria repassado de imediato ao ente subnacional, ficando retido em um fundo. Em princípio, o município ou o Estado teria direito somente aos rendimentos desse fundo e somente haveria saques do principal quando houvesse queda de receita em relação ao ano anterior.


O impacto fiscal desse mecanismo seria relevante. O FPE e o FPM, juntos, representam aproximadamente R$ 100 bilhões. Se fossem reservados 10% desses recursos para um fundo de estabilização da receita, teríamos R$ 10 bilhões por ano. Somando-se 30% dos R$ 50 bilhões de royalties (já contando com a expansão da produção do pré-sal), teríamos uma poupança anual de R$ 25 bilhões, capaz de financiar um aumento de transferências em momentos descendentes do ciclo econômico.

Só o governo federal pode patrocinar a criação desse mecanismo. Os governantes estaduais e municipais não têm incentivos para criá-lo. Não lhes cabe buscar a consistência fiscal do setor público como um todo. Cada um está preocupado em entregar as obras e programas que garantirão sua reeleição. Não se trata de miopia. Trata-se da regra do jogo do nosso modelo de federalismo fiscal: presidente da República e ministros da área econômica é que arcam com o ônus político do mau desempenho macroeconômico. Inaugurar o pré-sal sem um mecanismo de poupança será um péssimo começo para quem pretende evitar a maldição do petróleo.

Por Marcos Mendes e Alexandre Rocha.

Fonte: Valor Econômico.

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