quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O dilema fiscal com a queda da Selic

Criou-se a expectativa entre os parlamentares, principalmente da base aliada do governo, que a atual redução da Selic pelo Banco Central abrirá espaço para o aumento dos gastos públicos nos próximos anos. Já tem gente sonhando com mais recursos para a saúde e em elevar os gastos com educação a 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

O pagamento de juros das dívidas é uma das maiores despesas do setor público brasileiro. Se a Selic cair, o custo da dívida será menor e, por conseguinte, o gasto. Com a redução da despesa com o pagamento dos juros, as pessoas acreditam que sobrará mais dinheiro para gastar com as prioridades da sociedade, que são educação, saúde, segurança e infraestrutura.

Antes de mais nada, há um equívoco nesse raciocínio que precisa ser corrigido. A despesa com juros não é primária, mas financeira. Ela não entra no cálculo do resultado primário do setor público, que é divulgado mensalmente pelo Banco Central. Ou seja, mesmo que a despesa com juros caia, só é possível aumentar os gastos públicos, se houver uma redução do superávit primário.

Despesa com juros poderá cair R$ 33,6 bilhões
Depois, é preciso notar que o governo não paga toda a despesa anual com juros. O superávit primário é justamente uma poupança feita pelo setor público para pagar uma parcela dos juros das dívidas. No ano passado, por exemplo, a despesa do setor público com juros nominais foi de R$ 195,4 bilhões. Como o superávit primário foi de apenas R$ 101,7 bilhões, R$ 93,7 bilhões da despesa com juros (R$ 195,4 bilhões menos R$ 101,7 bilhões) foram pagos pelo governo com recursos captados no mercado por meio da emissão de títulos. Essa diferença é conhecida como déficit nominal do setor público.

Ontem, o BC reduziu a Selic em mais 0,5 ponto percentual. Ela ficou em 11% ao ano. De agosto para cá, a redução já foi de 1,5 ponto percentual. Até abril do próximo ano, muitos analistas do mercado acreditam que a Selic poderá chegar a 9,5% ao ano. Neste caso, a redução total seria de três pontos percentuais.

Se essa redução de três pontos percentuais vier efetivamente a ocorrer, e se ela perdurar por um período de um ano, a despesa do setor público com juros nominais será reduzida em R$ 33,6 bilhões. Isso porque o BC estima que a queda de cada ponto da Selic diminui a despesa com juros nominais em, aproximadamente, R$ 11,2 bilhões (em 12 meses).

A queda da Selic ajuda também a reduzir a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB. A dívida líquida é a diferença entre os passivos e os ativos financeiros públicos. Segundo estimativa do BC, cada ponto percentual de queda da taxa básica de juros, mantida por 12 meses, reduz em 0,3 ponto percentual a proporção entre a dívida líquida e o PIB. Portanto, a queda de três pontos percentuais da Selic poderá reduzir a dívida líquida em proporção do PIB em quase um ponto percentual.

Este cenário coloca o governo Dilma diante de um dilema fiscal. Se mantiver o controle sobre os gastos públicos, repetindo no próximo ano a trajetória fiscal de 2011, o governo garantirá o espaço necessário para que o BC continue sua política de redução dos juros e obterá uma queda mais rápida da dívida líquida em proporção do PIB. Essa estratégia reforçará a percepção favorável dos investidores no futuro da economia brasileira, o que garantirá mais investimentos.

Se, no entanto, optar pela ampliação do gasto público na esteira da redução das despesas com juros, o governo fechará o espaço para o BC continuar reduzindo os juros, pois a política fiscal se tornará expansionista. Em consequência, a velocidade de queda da dívida líquida em proporção do PIB também será reduzida, o que terá impacto desfavorável sobre a percepção dos investidores.

Em conversa com este colunista, o economista Mansueto Almeida observou que a decisão de ampliar os gastos pode ser sustentável e resultar em ganhos políticos para o governo no curto prazo, mas poderá ser desastrosa para o país no médio e longo prazo. "Se a decisão for usar o espaço fiscal resultante da redução das despesas com juros para fazer mais gastos, o governo perderá a chance de conseguir uma queda sustentável dos juros", disse.

Caso o governo decida manter o controle sobre os gastos públicos, a questão passa a ser definir o nível adequado para a dívida líquida em proporção do PIB. Para Mansueto Almeida, esse nível está entre 25% e 30% do PIB. Quando o governo chegar a esse ponto, o superávit poderá ser calibrado apenas para manter a mesma relação entre a dívida e o PIB. Quando isso ocorrer, haverá um espaço substancial para a ampliação dos gastos públicos.

A presidente Dilma tem dado sinais do seu compromisso com uma política fiscal responsável. Mesmo com as pressões por mais gastos, Dilma não usou toda a extraordinária receita obtida pelo Tesouro Nacional neste ano. Ela reservou R$ 10 bilhões para elevar a meta de superávit primário. Com isso, a expansão das despesas do Tesouro está sendo mantida abaixo do crescimento nominal do PIB. A questão é saber se essa estratégia será mantida em 2012.

Por Ribamar Oliveira.

Fonte: Valor Econômico.

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