segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A responsabilidade jurídica no terceiro setor

Com a promulgação da Constituição Federal, as ações das organizações do terceiro setor passaram a ter maior legitimidade, atuando de forma mais eficaz e transparente na realização de ações sociais de interesse público.

Evidentemente, que a atuação das entidades sociais não transitaria às margens das leis, pois dotadas de personalidade jurídica de direito privado suas ações guardariam observância e respeito às leis cíveis, em especial o Código Civil brasileiro, inclusive no aspecto da responsabilidade jurídica.

Em primeiro plano, as responsabilidades dos dirigentes são as determinadas em lei e aquelas constituídas no estatuto social da entidade.

Consagrado na doutrina e na jurisprudência a definição do termo responsabilidade como "a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às consequências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observância do preceito lhe imponha". Assim, responsabilidade vem a ser uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. É, portanto, a consequência que o agente, em virtude de violação do dever, sofre pela prática de seus atos.

Os sócios complementam com bens pessoais o que a sociedade não honrou
O Código Civil regula que os sócios não se confundem com a sociedade, estabelece que as obrigações da sociedade não são as obrigações dos sócios e vice-versa. Assim, a princípio, um não é responsável pelo outro, um não é obrigado a responder pelo outro.

Juridicamente a norma tipifica a responsabilidade em duas naturezas: i) subsidiária e ii) solidária para fins de imputação ao sócio no caso concreto.

Conceitualmente a responsabilidade subsidiária é a responsabilidade daquele que é obrigado a complementar o que o causador do dano ou passivo não foi capaz de assumir individualmente. Em outras palavras, os sócios, esgotada toda a capacidade patrimonial da entidade, são obrigados a complementar com seu patrimônio, com bens pessoais tudo aquilo que a sociedade não honrou. Exemplo clássico da responsabilidade subsidiária é assinatura de contrato de locação na condição de fiador.

No caso da responsabilidade solidária, o sócio se obriga em condições de igualdade ao devedor principal. De forma objetiva, na responsabilidade solidária o credor poderá executar os bens da entidade quanto os bens de seus sócios.

Neste diapasão, os dirigentes das entidades do terceiro setor, aí compreendidos os integrantes dos órgãos colegiados, da diretoria executiva e demais pessoas com poder de direção, tem sobre si grande responsabilidade, pois a manifestação deles na condição de representante legal da entidade é a manifestação da própria entidade, que fala e age por intermédio deles.

É comum encontrarmos nos estatutos sociais das entidades sociais a seguinte redação: "Os dirigentes da associação não respondem subsidiariamente por suas obrigações", ou, ainda "Os dirigentes não respondem solidária ou subsidiariamente pelas obrigações sociais".

É de se ressaltar, nem sempre são imputadas as responsabilidades unicamente aos sócios que estão praticando diretamente os atos, pois pode ser alcançado o administrador contratado com poderes de direção.

A lei civil é bastante oportuna ao determinar que a responsabilidade solidária decorre da lei ou é definida em instrumento jurídico celebrado (p.ex. estatuto social, convênio, contrato, termos de parceira e quaisquer outro tipo de ajuste jurídico).

Por sua vez, quando a lei define que o sócio ou o dirigente/administrador são responsáveis solidários, não há nada que possa impedir a responsabilização legal, independentemente da vontade expressa em qualquer instrumento jurídico celebrado.

Quanto à responsabilidade subsidiária, o código civil expressamente trata da matéria, sendo obrigatório fazer constar nos estatutos sociais das entidades sociais se os dirigentes (sócios) responderão ou não subsidiariamente pelas obrigações da organização.

A exclusão da responsabilidade solidária ou subsidiária somente tem a sua aplicação plena quando dirigente comprovar atuação de boa-fé na gestão da entidade social. Comprovado o descumprimento da norma jurídica, do estatuto social o dirigente responderá nos termos da lei aplicável.

Estamos diante da aplicação do instituto jurídico denominado "despersonalização da pessoa jurídica", ou seja, o dirigente que agiu em desconformidade com a lei, o estatuto social ou qualquer norma aplicável é chamado a responder pelos danos causados. Em outras palavras, o dirigente passa a responder pelo dano causado a entidade e a terceiros, podendo atingir seu patrimônio pessoal.

Desse modo, nos atos de gestão à frente das instituições do terceiro setor devem respeitar a legislação, os estatutos sociais, instrumentos jurídicos e normas aplicáveis, sob pena de transgressão e imputação de responsabilidades jurídicas e consequentes sanções patrimoniais e penais aos dirigentes.

Arcênio Rodrigues da Silva é advogado especialista no terceiro setor

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Por Arcênio Rodrigues da Silva.

Fonte: Valor Econômico.

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