terça-feira, 30 de julho de 2013

Prefeitura cancela créditos tributários por irregularidades

Após uma auditoria que durou quatro meses, a Prefeitura de Salvador afirma ter identificado "graves irregularidades" e decidiu cancelar os créditos tributários no volume de R$ 341,8 milhões concedidos como indenização por 12 desapropriações na Área de Proteção Ambiental (APA) do Parque das Dunas de Itapuã, que soma 531 mil metros quadrados.

As desapropriações ocorreram em 2009, na gestão do ex-prefeito João Henrique (PP). Do valor original da dívida que a prefeitura adquiriu com as operações, R$ 112,5 milhões já foram compensados. Ou seja, houve uso de créditos nesse montante para abatimento de tributos municipais. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante original de crédito emitido pela prefeitura no caso das dunas é estimado em R$ 437,7 milhões. A principal irregularidade apontada pela auditoria foi o sobrepreço do metro quadrado: R$ 238,58.

Numa APA o valor é inferior ao do mercado, diz a prefeitura. O secretário municipal da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, afirma que houve malversação do dinheiro público. Ainda está em circulação no mercado o volume de R$ 229,3 milhões em créditos tributários decorrentes dessas desapropriações. Como o crédito é uma espécie de moeda que pode ser comercializada entre particulares, qualquer empresa ou pessoa física pode ter adquirido das mãos dos proprietários originais.

A Vertical Engenharia, que tem como representante o presidente da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-Ba), Nilson Sarti, foi uma das principais responsáveis pelas negociações das desapropriações com a Prefeitura. Sarti, que aparece como procurador de pessoas físicas e jurídicas, nega qualquer irregularidade. Mudança da lei - O secretário da Fazenda anunciou que vai extinguir a prática de emissão de créditos tributários em Salvador. Para isso, a prefeitura deve enviar projeto de lei ao Legislativo até agosto. "O crédito tributário não é uma boa ferramenta de gestão porque quando faz uso dele o gestor deixa uma dívida para o futuro da cidade", explica.

Mauro Ricardo considera importante mudar a lei para assegurar que a prática não se repita no futuro. O crédito tributário é um instrumento que substitui uma indenização em dinheiro. Pode ser emitido em caso de desapropriações de terrenos ou pagamento de precatórios, por exemplo. Quem o recebe tem lastro para abatimento de impostos municípais, como IPTU e ISS. Quem comprou os créditos "podres", ou seja, relacionados às desapropriações das dunas de Itapuã, não poderá usá-los.

A prefeitura não vai reconhecer os documentos e afirma que quem se sentir lesado deve buscar a Justiça contra quem vendeu. O despacho assinado pelo prefeito ACM Neto (DEM) na sexta-feira, 19, ao qual a reportagem teve acesso em primeira mão, indica que o município deve adotar "providências de ordem administrativa e judicial" para anular os processos envolvidos. "Nós temos indícios de que houve crime. Após a conclusão do grupo de trabalho encaminharemos o relatório ao Ministério Público, que, se for comprovado que houve mesmo um crime, vai ingressar com uma ação", diz o secretário da Fazenda. A prefeitura irá convidar todos os envolvidos nas desapropriações a partir dessa semana para prestarem esclarecimentos a respeito das negociações. O objetivo é permitir ampla defesa, além de tentar evitar que a questão seja levada à alçada do judiciário.

"Nós vamos tentar fazer com que o processo de solução seja amigável", afirma Mauro Ricardo. Sobrepreço - A principal irregularidade encontrada pela auditoria está no preço do metro quadrado.

De acordo com a prefeitura, o valor do terreno de uma APA é inferior ao valor de mercado em razão de seu baixo potencial de uso. A prefeitura apurou que o preço do metro quadrado que serviu de parâmetro para as desapropriações foi baseado no de um condomínio de alto luxo da região. O valor pago por metro quadrado foi de R$ 238,58, em 2009.

Durante a auditoria, a prefeitura solicitou parecer da Caixa Econômica Federal que avaliou que o metro quadrado naquela região era de R$ 118,6. O secretário ressalta que a avaliação leva em conta a localização, sem observar que se trata de uma APA, portanto, com valor comercial reduzido: "Como se pode comparar um terreno, sem nada construído, com o terreno de um condomínio de alto luxo?".

Houve casos de unidades que foram adquiridas em 2006 por R$ 0,21 o metro quadrado e vendidas por R$ 238,58. "Isso dá mais de cem mil por cento de lucro", calcula Mauro Ricardo.

Outro problema apontado pela auditoria é a ausência de pareceres da Procuradoria Geral do Município (PGM) para as desapropriações e posterior emissão de créditos tributários.

As solicitações não eram encaminhadas ao órgão jurídico da prefeitura. A equipe de reportagem de A TARDE tentou contato com o ex-prefeito João Henrique, mas ele não foi localizado para comentar o assunto.

Fonte: Portal A TARDE.