sexta-feira, 11 de abril de 2014

Justiça condena advogado a ressarcir honorários

Ainda que a relação contratual entre advogado e cliente não se enquadre nas regras do Código de Defesa do Consumidor, sobre ela incide o dever da boa-fé imposto a qualquer contratante. Com base nesse fundamento, a juíza Simone Gastesi Chevrand, da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro, condenou o advogado Sylvio Guerra a pagar a uma cliente aproximadamente R$ 390 mil por cobrar valores que chegaram a 85% do benefício econômico perseguido com a ação ajuizada. Procurado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o advogado alega que teve seu direito à ampla defesa e contraditório violado. A OAB-RJ não chegou a julgar a questão porque seu tribunal de ética concluiu que a denúncia prescreveu. Ainda cabe recurso.

Em 2005, a teledramaturga e jornalista Letícia Dornelles contratou os serviços do advogado para ajuizar ação, na qual buscava receber valores não pagos pela emissora Rádio e Televisão Bandeirantes por serviços prestados.

Foi convencida, então, a pagar R$ 260,4 mil, sendo R$ 252,2 mil de honorários e R$ 80,4 mil a título de custas processuais. De acordo com o advogado, os valores seriam proporcionais e necessários ao ajuizamento da ação. Ao fim do processo, dos R$ 400 mil perseguidos pela autora, o advogado recebeu a quantia de R$ 340 mil — 85% do valor da causa —, por conta do acréscimo dos 20% de honorários de sucumbência.

Ao ajuizar ação contra o advogado, a jornalista contou que solicitou empréstimo para fazer frente às despesas cobradas, e que decidiu encerrar o contrato por estar insatisfeita com os serviços advocatícios, especialmente pela petição inicial, que mencionava assuntos pessoais desnecessários, além dos altos valores exigidos. A essa altura, já pagara tudo que fora cobrado.

Para a juíza Simone Gastesi Chevrand, era dever do advogado informar que os preços cobrados estavam “muito acima” daqueles praticados por outros escritórios e pelos valores previstos na tabela de honorários da OAB-RJ. Além disso, ressalva, o advogado emitiu recibo de valor que deveria ter sido destinado ao pagamento de custas processuais, quando, na verdade, destinou apenas R$ 8.187,81 para esse fim, o equivalente a 10% do valor estimado.

Na contestação apresentada pelo advogado, ele alegou militar no Fórum de Justiça há 26 anos e possuir larga experiência em direito de imagem. Disse que costuma cobrar antecipadamente e que a livre iniciativa privada é assegurada pela Constituição, não podendo ser restringida. Nesse sentido, diz que não cabe ao cliente questionar valores cobrados, os quais, segundo ele, incluem a assessoria jurídica prestada anteriormente à contratação e o pagamento de uma assistente exclusiva para o caso.

Os argumentados foram refutados pela juíza. O limite dos honorários cobrados por um advogado deve, segundo ela, se basear em critérios éticos e de razoabilidade. “Nem se argumente que o réu se valeu do princípio da livre iniciativa assegurado na Constituição da República. Ele, como advogado, não é empresário. É profissional liberal de quem é exigido irrestrito cumprimento a deveres civis contratuais, além de éticos e morais inerentes a honrosa profissão de advogado”, afirmou.

Se, no caso das custas processuais, a cobrança tinha finalidade específica, a conclusão da juíza é de que houve “cobrança indevida, com clara má-fé”, tendo em vista o valor do processo ser divulgado em tabelas fixadas pela Corregedoria de Justiça do TJ-RJ, de conhecimento obrigatório do advogado. “A cobrança de quantia dez vezes superior à efetivamente devida é absolutamente incompatível com qualquer erro escusável”, concluiu.

Segundo Simone Chevrand, o advogado desrespeitou o artigo 422 do Código Civil, pelo qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Em sua decisão, destacou que situações semelhantes já foram analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, como no RE 830.526, relatado pela ministra Nancy Andrighi.

Em valores discriminados, o advogado foi condenado a restituir R$ 72.212,19, correspondentes à diferença entre os R$ 80,4 mil cobrados e pagos, descontados os R$ 8.187,81 efetivamente destinados ao pagamento de custas processuais. E mais R$ 225.370,91 equivalentes à diferença entre o valor cobrado e pago a título de honorários — R$ 252.212,19 — e a quantia arbitrada por perito para serviços prestados — R$ 26.841,28. Além do pagamento de R$ 20 mil pelos danos morais causados.

OAB-RJ Procurado pela ConJur, o advogado Sylvio Guerra informou, em nota, que ingressou no último dia 24 de março com uma arguição de nulidade, com requerimento subsidiário de recebimento da petição como Embargos de Declaração. Alega que foi prejudicado pelo “julgamento antecipado da lide no processo” e que seu direito à ampla defesa foi violado.

Guerra também já teve uma Apelação Cível e uma Agravo de Instrumento negados pela juíza. Atualmente, aguarda julgamento de um Agravo Regimental interposto por ele no Superior Tribunal de Justiça.

Na sentença, a juíza menciona que os autos do processo foram extraviados “após carga realizada pelo réu”. E acrescenta que, “após tentativas frustradas de citação pessoal, foi realizada citação por hora certa (fls. 329/344). Não tendo sido apresentada qualquer resposta (fl. 346 verso), a d. Curadoria Especial manifestou-se à fl. 347”.

O advogado dá outra versão. Afirma não ter sido citado “validamente”, pois, segundo ele, a autora da ação indicou endereços nos quais ele não poderia ser encontrado. “O processo manifestamente nulo, com violação de ampla defesa e contraditório, prosseguiu sem meu conhecimento até que, posteriormente, um dos meus advogados foi incluído no sistema do tribunal e tomou conhecimento da publicação da sentença, razão pela qual apelou, arguindo nulidade”, diz.

No último dia 8 de abril, a 2ª Turma do Conselho de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro julgou uma representação movida por Letícia Dornelles, autora da ação. Por 4 votos a 1, o colegiado decidiu não aplicar qualquer sanção disciplinar contra o advogado porque prescreveu a possibilidade de punição. Para a maioria, a contagem deve começar do ato. Para o voto divergente, deve ser contada a partir do conhecimento da OAB. A divergência permite recurso de Embargos. A decisão ainda não foi publicada.

Fonte: ConJur.

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